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Desigualdade: a crescente epidemia que massacra o Brasil

No início do mês de abril de 2020 recebi uma mensagem do professor Marco Aurélio Kistemann Jr. me convidando para escrever o capítulo de um livro intitulado Pandebook : Cabeças Pensantes na Pandemia – Volume 1. Este livro foi organizado com relatos e textos de autores e autoras, em solo brasileiro ou estrangeiro, os quais encontraram num período de quarentena e isolamento social, inspiração para narrarem o que sentem e vivem durante a primeira pandemia do século XXI.

Resolvi então compartilhar com todos a minha contribuição dada a esta obra. O que se segue é um texto informativo em forma de súplica por dias melhores.

Prof.Cassius Almada

Desigualdade: a crescente epidemia que massacra o Brasil

RESUMO

Atualmente muito se fala dos inúmeros desafios que o Brasil terá que enfrentar nos âmbitos cultural, político, social e econômico em um cenário pós-pandemia, mas paradoxalmente se ignorava a situação alarmante em que o país já se encontrava antes da epidemia do Covid-19 , mesmo havendo dados exaustivos que já ratificavam os fatos.

O presente artigo pressupõe extrapolar o caráter meramente informativo dos dados que serão exibidos, convidando o leitor a refletir sobre as questões que realmente importam para que o Brasil possa se tornar, finalmente, uma nação de primeiro mundo.

Estamos vivendo uma crise humanitária sem precedentes: a epidemia do Covid-19. Segundo dados fornecidos pelo site oficial Coronavírus Brasil, até o dia 14/08/2020 já haviam sido confirmados 3.224.876 casos e 105.463 óbitos no Brasil.


Como até esta data ainda não havia sido descoberta uma vacina, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reforçava, dentre várias outras, duas principais recomendações: praticar o distanciamento social, a fim de reduzir a velocidade de propagação do vírus (evitando assim um possível colapso do sistema de saúde) e cumprir protocolos de higiene e salubridade, com o intuito de diminuir a probabilidade de  contágio pelo Covid-19. 

Embora a teoria seja de fácil entendimento, o mesmo não podemos dizer da prática. Antes de prosseguir, tente responder à seguinte pergunta: que parcela da população você acha que terá mais dificuldade de cumprir essas duas principais recomendações?

Em 2019, 48% da população do Brasil (100 milhões de pessoas) não possuía coleta de esgoto e 17% da população do Brasil (36 milhões de pessoas) não tinha acesso a água tratada. Pausa para a reflexão. O direito ao saneamento básico não é garantido pela Constituição Federal de 1988 (Art.5° e 6°) e pela lei n° 11.445/2007 ?

Agora, responda rápido: qual a sua renda mensal? R$ 500,00? R$1.000,00? R$ 2.000,00? Acima de R$ 3.000,00? Se sua resposta foi qualquer valor acima de R$ 51,00 (sim, você não leu errado! cinquenta e um reais!), saiba que você não faz parte dos 10 milhões de brasileiros (aproximadamente 5% da população) que “sobrevivem” com esta renda. Se sua renda mensal é superior a R$ 269,00, então você também não faz parte dos outros 60 milhões de brasileiros.

Agora, se sua renda ultrapassa R$ 413,00 mensais, então você definitivamente não faz parte do grupo de 100 milhões de brasileiros (isso mesmo, 50% da população) que só dispõe desta quantia mensal para “sobreviver”. Esses dados foram apurados no 3° trimestre de 2019 pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e são números referentes ao ano de 2018.

Você tinha conhecimento desses números? Eu confesso que tinha alguma ideia, mas jamais poderia supor que os dados fossem tão devastadores. Agora, podemos responder juntos à pergunta inicial: os mais prejudicados são os mais pobres e não é forçoso admitir que a epidemia do Covid-19 afeta desigualmente os desiguais.

O que está acontecendo?

Estamos diante de um dos fenômenos mais intrincados que acompanha ao desenvolvimento de nossa sociedade ao longo de toda a sua trajetória no planeta Terra: a desigualdade social. O Brasil é o 7° país mais desigual [1]do mundo e pasmem: está atrás apenas de seis países africanos. Não é preciso ter bola de cristal para inferir que indicadores socioeconômicos, tais como PIB per capita, taxa de desemprego, índice de Gini e outros, registrarão suas piores marcas em um cenário pós-epidemia.

Mas e quanto ao histórico de um Brasil pré-epidemia? Você está a par?

Os números retratados anteriormente, por si só, já deveriam ser motivos suficientes para causar repulsa e desânimo ao mais otimista dos seres humanos, mas faço questão de retratar alguns desses indicadores para que possamos entender um pouco melhor o cenário atual.

O primeiro é O PIB per capita. Ele é calculado dividindo-se o PIB[1] pelo número de habitantes.


[1] O PIB é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos por um país, estado ou cidade, geralmente em um ano. O PIB mede apenas os bens e serviços finais para evitar dupla contagem. Se um país produz R$ 100 de trigo, R$ 200 de farinha de trigo e R$ 300 de pão, por exemplo, seu PIB será de R$ 300, pois os valores da farinha e do trigo já estão embutidos no valor do pão. Os bens e serviços finais que compõem o PIB são medidos no preço em que chegam ao consumidor. Dessa forma, levam em consideração também os impostos sobre os produtos comercializados. O PIB não é o total da riqueza existente em um país. Esse é um equívoco muito comum, pois dá a sensação de que o PIB seria um estoque de valor que existe na economia, como uma espécie de tesouro nacional. Na realidade, o PIB é um indicador de fluxo de novos bens e serviços finais produzidos durante um período. Se um país não produzir nada em um ano, o seu PIB será nulo.

Embora ele sirva como um indicador econômico, ele não reflete importantes fatores como a distribuição de renda, qualidade de vida, entre outros. Não é incomum encontrar países com PIB alto e baixo padrão de vida, assim como países com PIB baixo com um alto padrão de vida. Confira na figura 1 abaixo a série histórica do PIB per capita do Brasil nos últimos 12 anos:

Observe que O PIB per capita do Brasil teve um crescimento considerável entre os períodos de 2009 e 2011 e uma queda contínua pelos anos seguintes (com exceção de 2016 para 2017). Em 2019, atingiu seu menor valor em 10 anos, registrando uma queda de aproximadamente 34% em relação ao maior valor no período (2011). A queda do PIB per capita pode ser justificado por inúmeros fatores, dentre os quais destacaremos um que possui uma forte correlação: a taxa de desemprego.


Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE):

São consideradas pessoas desempregadas ou desocupadas aquelas que possuem mais de 14 anos e não estavam trabalhando ou estavam disponíveis para trabalhar e tomaram alguma providência efetiva para conseguir trabalho nos trinta dias anteriores à semana que responderam à pesquisa. Logo, para ser considerado desempregado não basta apenas não possuir emprego. Estudantes que se dedicam somente aos estudos e uma dona de casa que se dedica somente aos afazeres domésticos, por exemplo, são considerados fora da força de trabalho, mas não desempregados. Portanto, a taxa de desemprego é a porcentagem de pessoas na força de trabalho que estão desempregadas. (IBGE)


Confira no gráfico da figura 2 abaixo a taxa média anual de desemprego


   Entre os anos de 2009 e 2013, o Brasil registrou uma queda de 2,7 pontos percentuais na taxa média de desemprego, atingindo no ano de 2013 a sua mínima histórica. Observe que neste mesmo ano, o PIB per capita apresentou o terceiro maior valor registrado entre os anos de 2008 e 2019. Nos anos seguintes houve um aumento da taxa de desemprego (com exceção do período de 2015 para 2016).

Note que, em 2019, ano em que foi registrado o segundo menor valor do PIB per capita no período de 2008 à 2019, a taxa de desemprego era mais do que o dobro da registrada em 2013. Embora a análise das series temporais do PIB per capita e da taxa de desemprego sejam extremamente relevantes para o estudo da economia, elas são insuficientes para entender o processo de distribuição de renda. Para isso, precisamos dar uma olhada no terceiro e último índice que explanaremos: o Índice de Gini.

De acordo com o IBGE, Índice de Gini ou Coeficiente de Gini é


Medida de desigualdade relativa obtida a partir da Curva de Lorenz, que relaciona o percentual acumulado da população em ordem crescente de rendimentos (eixo x) e o percentual acumulado de rendimentos (eixo y). Quando os percentuais acumulados de população correspondem aos percentuais acumulados de rendimentos (10% da população com 10% dos rendimentos, por exemplo), tem-se a linha de perfeita igualdade. A Curva de Lorenz representa a distribuição real de rendimentos de uma dada população, tendo, em geral, formato convexo. Quanto mais afastada da linha de perfeita igualdade, mais desigual a distribuição. O índice de Gini é uma medida numérica que representa o afastamento de uma dada distribuição de renda (Curva de Lorenz) da linha de perfeita igualdade, variando de “0” (situação onde não há desigualdade) a “1” (desigualdade máxima, ou seja, toda a renda apropriada por um único indivíduo).

Resumidamente, o Coeficiente de Gini serve para medir o grau de desigualdade social analisando a distribuição de renda da população. O gráfico da figura 3 apresenta a variação do Coeficiente de Gini para a Renda Domiciliar Per Capita do Brasil entre os anos de 2012 e 2019 (observe que os dados são colhidos por trimestre):         

CONCLUSÃO

A desigualdade social, por ser um problema multifacetado, exige uma análise minuciosa e multivariada para que possamos compreender suas causas. Arrisco a dizer que no Brasil não há mais espaço para melhorar a distribuição de renda sem que aqueles que ocupam o “topo da pirâmide” deem a devida e proporcional contribuição.

É preciso vontade política e de mais representatividade popular para que pautas de mudanças possam ser aprovadas no Congresso. Porém, pra que tudo isso aconteça, precisamos investir em educação básica de qualidade, ou seja, o contrário do que vem sendo feito no Brasil da pátria educadora.

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Muito obrigado 🙂

Para adquirir o e-book Pandebook : Cabeças Pensantes na Pandemia – Volume 1, acesso o site:

https://www.amazon.com.br/Pandebook-Pensantes-Pandemia-Marco-Kistemann-ebook/dp/B08H6NWD8R

Pandebook : Cabeças Pensantes na Pandemia - Volume 1 por [Marco  Kistemann, Fernanda Faria ]

REFERÊNCIAS

CORONA VÍRUS BRASIL, Painel Corona Vírus,2020. Site desenvolvido para ser o veículo oficial de comunicação sobre a situação epidemiológica da COVID-19 no Brasil. Disponível em: https://covid.saude.gov.br. Acesso em: 01 mai. 2020.

SENADO NOTÍCIAS, Senado Federal, 2020.Notícia sobre o saneamento básico no Brasil. Disponível em: < https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/09/25/brasil-tem-48-da-populacao-sem-coleta-de-esgoto-diz-instituto-trata-brasil>.   Acesso em: 01 mai. 2020.

R7, Portal da Record Tv,2020.Notícia sobre o saneamento básico no Brasil.                                                                                                                                  Disponível em: <https://noticias.r7.com/brasil/quase-35-milhoes-de-brasileiros-nao-tem-acesso-a-agua-tratada-24092019>. Acesso em 18 abr. 2020.

SENADO FEDERAL, Senado Federal,2020.Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/566968/CF88_EC105_separata.pdf. Acesso em: 02 mai. 2020.

PLANALTO, Planalto Governo Federal,2020. Lei que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 25 abr. 2020.

R7, Portal da Record Tv,2020. Notícia sobre a situação de desigualdade de renda no Brasil.                                                                                                                                  Disponível em: <https://noticias.r7.com/economia/metade-dos-brasileiros-vive-com-apenas-r-413-por-mes-mostra-ibge-16102019> . Acesso em: 29 abr. 2020.

CEIC DATA, Ceic Data,2020. Pib per Capita do Brasil.                                                   Disponível em: < https://www.ceicdata.com/pt/indicator/brazil/gdp-per-capitahttps://noticias.r7.com/economia/metade-dos-brasileiros-vive-com-apenas-r-413-por-mes-mostra-ibge-16102019>. Acesso em: 19 abr. 2020.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020.Desemprego.                                                   Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php>. Acesso em: 15 abr. 2020.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020.Síntese de indicadores sociais. Uma análise das condições de vida da população brasileira.                                                    Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101629.pdf> .                 Acesso em: 18 abr. 2020.

FGV SOCIAL, Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas,2020. Estudo do impacto da crise sobre a distribuição de renda e pobreza.                                                    Disponível em: <https://www.cps.fgv.br/cps/bd/docs/A-Escalada-da-Desigualdade-Marcelo-Neri-FGV-Social.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2020.

G1, Portal de notícias da Globo,2020. Notícia sobre a situação de desigualdade de renda no Brasil.                                                                                                                              Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/08/16/desigualdade-de-renda-cresce-ha-17-trimestres-consecutivos-no-pais-aponta-fgv.ghtml> . Acesso em: 19 abr. 2020.